Por conta da influência militar, durante décadas a educação física no Brasil valorizava o exercício apenas para alcançar um bom condicionamento e obter um corpo saudável. Este pensamento não é equivocado, mas com o tempo as práticas evoluíram para além da melhoria física, pois através do movimento apresentamos ao mundo nossa personalidade e nossas características.
Seja numa atividade simples, como caminhar, ou mesmo sentados na cadeira na sala de aula, mostramos o quanto estamos aproveitando daquele momento e isso tem relação direta com nossas vivências corporais.
Em diversos casos, a escola tem dificuldades em incluir os alunos com TEA na atividade física por conta justamente do olhar antiquado sobre a disciplina. Muitos professores não observam que ter o movimento como ferramenta principal nos dá grandes oportunidades para a adaptação e inclusão. Quando isso não é observado, perde-se a chance de ampliar as aquisições de habilidades motoras e sociais desses alunos.
Mesmo com esse problema dentro da escola, fora dela a educação física tem ganhado mais espaço e hoje existe uma grande variedade de modalidades sendo praticadas em academias, clubes e parques. A procura por profissionais para o atendimento de crianças e adolescentes com TEA tem aumentado. Essa demanda pode nos deixar otimistas com a mudança de perspectiva das famílias. Hoje, elas buscam não somente a terapia para suas crianças, mas também a oportunidade de vivenciarem diferentes possibilidades, inclusive a atividade física.
Há também um número maior de profissionais que trabalham com inclusão, utilizando os esportes e o movimento como instrumento de desenvolvimento para públicos específicos. Apesar desse novo cenário, ainda temos um longo caminho pela frente. O aumento da procura não significa que as crianças com TEA vão ter facilidade no acesso às atividades. Até mesmo para crianças típicas o sedentarismo é cada vez mais comum.
A inatividade física traz cada vez mais riscos à saúde e ainda ocasiona a perda de interação com o meio ambiente, atrapalhando o relacionamento com a comunidade em que estão inseridas.
A desmotivação que atinge adultos também ocorre com nossos pequenos e a própria OMS (Organização Mundial de Saúde), em estudos recentes, publicou que o ideal é adotar uma rotina com cerca de 50 minutos diários de atividade física.
Trata-se de um grande desafio. Por conta da rotina da nossa geração, sabemos que cada vez menos temos a segurança de permitir que as crianças possam estar na rua livremente, brincando e se desenvolvendo de forma natural.
Mas a grande reflexão que desejo compartilhar com esse artigo é que temos um agravante ainda maior com as crianças que precisam de mais ajuda para ter vivências adequadas. Por isso, a Educação Física se torna ainda mais importante quando pensamos na inclusão de autistas.
Os pais enfrentam barreiras para encontrar modalidades e professores que possam, além de aceitar essa criança, observar com atenção suas potencialidades. É preciso também entender que o autismo tem suas particularidades e que, em relação às crianças típicas, os parâmetros talvez sejam diferentes, mas que isso não significa incapacidade de evoluir. Quando paramos para pensar nas características do autismo que impactam na dificuldade da comunicação e interação social, corremos o risco de fixar nossos pensamentos apenas nesses aspectos tornando o problema ainda maior. Mas, quando a família encara a atividade física como estratégia para adaptação e ampliação do aprendizado, ocorre a valorização das infinitas possibilidades que o movimento oferece, abrindo um grande campo de atuação para os professores que têm esse engajamento.
Não podemos esquecer que os problemas que a criança com TEA pode ter em relação à comunicação e interação faz parte dos objetivos do educador físico. Melhorar a condição corporal é um dos caminhos para melhorar a comunicação e a interação de forma global e, desta forma, contribuir para formar um indivíduo mais participativo e feliz em seu meio social.
Neste caso, apesar do exercício servir como elemento base, o foco do trabalho ainda é desenvolver a criança nos aspectos cognitivos e sociais. Isso não muda quando nos deparamos com alunos atípicos, pois qualquer pessoa pode precisar de adaptações, mesmo que mínimas, para facilitar uma aprendizagem específica. Um grande exemplo é o projeto que acontece em São Paulo, o Movimento Especial, que é um espaço de circuito motor e esportes para crianças, adolescentes e adultos com algum tipo de limitação.
Este projeto, do qual faço parte, tem como o principal público crianças com TEA. Utilizamos circuito motor, jogos, brincadeiras e esportes não somente para desenvolver o físico, mas também para aumentar o repertório com o corpo e auxiliar nos processos de desenvolvimento da comunicação, para a melhoria da convivência em diferentes ambientes. Dentro do contexto de nossas aulas, criamos situações semelhantes às que as crianças vivenciam no cotidiano, em ambientes como a escola e a terapia. Ao passo que adaptamos as regras, diminuímos o parâmetro em relação aos esportes de alto rendimento e direcionamos nossas atenções para ajudar o aluno a se expressar melhor, conseguimos alcançar o verdadeiro propósito da atividade física que é proporcionar o bem estar físico e emocional.
O autista tem limitações já conhecidas dentro do espectro, porém não devemos esquecer a condição individual e do tipo de intervenção a qual cada um tem acesso. o fazer isso, evitamos colocar parâmetros irreais.
Dentro de qualquer proposta, o educador ou terapeuta precisa aprender e analisar quais são as prioridades e pensar em estratégias criativas. O autismo tem seus padrões, mas uma mesma fórmula não serve para todos, justamente por conta da individualidade e até mesmo por conta do histórico de cada aluno.
Portanto, o professor que oferece uma grande variedade de atividades físicas em sua aula tem maiores chances de colaborar para a melhoria do desempenho motor. Isto vai ajudar a criança a adquirir habilidades básicas para tarefas simples do dia a dia. Em uma atividade, podemos trabalhar a atenção e permanência na brincadeira. Em outro jogo, o entendimento de regras simples. Também podemos desenvolver a habilidade de esperar a sua vez em atividades em dupla ou grupo.
Em se tratando de aulas com atendimento individualizado para casos mais graves, o professor pode fazer o papel de outra criança, colocando situações na aula e treinar o aluno para participar de atividades com outra criança no futuro.
Este processo ajuda inclusive no aumento da autoestima dos pais e familiares. Quando observam os alunos executando exercícios complexos e participando de brincadeiras que antes eram objetivos inimagináveis isso gera uma grande satisfação. Eles ficam felizes em ver os limites serem quebrados.
Os ganhos gerados por uma aula inclusiva são uma excelente estratégia para diminuir a ajuda motora e consequentemente contribuir para um indivíduo com maior independência. Além disso, o desenvolvimento de habilidades como andar de bicicleta, equilibrar-se, escalar, chutar e arremessar devem sim ser encaradas com grande valor.
Apesar de parecerem simples, estas atividades têm um impacto profundamente significativo de forma integral na rotina. Ajudam o aluno a ter mais iniciativa em sua vida e, com o repertório que a educação física bem direcionada pode proporcionar, colabora para a criança realmente cumprir sua principal função na infância, que é o brincar.
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