É comum, quando se espera um filho, alimentar expectativas e sonhos sobre como será a criança, como ela vai se desenvolver, brincar, engatinhar, falar e se relacionar com os pais, parentes, amigos e pessoas próximas. Quando estes sonhos e expectativas são atravessados pelo diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), há um novo processo a ser enfrentado. É preciso aceitar o filho real e lidar com o novo dia a dia que se apresenta, distante de ideias anteriores preconcebidas.
Associados ao diagnóstico do TEA, apresentam-se aos pais sentimentos de frustração, angústia, medo e até vergonha. Inicia-se, a partir do diagnóstico, um processo de cuidados voltados exclusivamente para o pequeno paciente autista. Em muitos casos, os pais acabam por esquecer-se do cuidado consigo mesmos. Neste processo, eles perdem sua identidade. Seu lugar, como pais, passa a ser viver integralmente para o filho. Muitas vezes divide-se as tarefas, sendo que um dos cuidadores se encarrega da rotina do paciente com TEA (intervenções, consultas, etc), e outro trabalha para garantir o sustento financeiro da família. Ambos os protagonistas enfrentam angústias e incertezas, cada um no lugar que passa a ocupar na nova organização da família. Naquelas famílias onde apenas uma pessoa se torna a grande responsável por assumir todos estes papéis – como é comum se ver nos dias atuais – o peso daquilo que sente e da forma como sente é ainda maior. A dificuldade de lidar com estes sentimentos também.
É neste sentido que a intervenção para os pais e cuidadores se torna tão necessária quanto a intervenção para os pacientes. A regra vale tanto para a intervenção individual quanto para os grupos de pais oferecidos pelos serviços que acompanham os pacientes.
Este é o espaço para que pais e cuidadores sintam-se à vontade para abordar suas angústias, incertezas e experiências. É o espaço em que é possível expressar e compreender vivências que são comuns dentro do grupo, não só em relação ao filho, mas em relação a si mesmos, tendo em vista que pais e cuidadores tendem a colocar em segundo plano seus próprios processos para assumirem o cuidado que a criança tanto precisa.
“Esquecer-se” de si mesmo é algo recorrente entre estas pessoas, que precisam se resgatar à medida que oferecem cuidado, carinho e tratamento ao filho. A escuta destes agentes de cuidado também é outro ponto de extrema importância e que precisa ser olhado com muita atenção pelos profissionais. É comum existir por parte de pais e cuidadores a impressão de que não são escutados.
Por vezes, profissionais que atendem pacientes com TEA acabam esquecendo o quanto a intervenção para os pais é necessária. Até porque, em alguns casos, não fica explícito o objetivo dessa intervenção. Não fica nítido se serve para orientar sobre um manejo destinado ao comportamento do paciente, ou se o que está em questão é um atendimento direcionado para as demandas do pai, mãe ou cuidador.
Por isso, é tão importante que o profissional esteja preparado para realizar o trabalho de escuta. É através dela que o objetivo deste atendimento vai se tornar claro. É importante lembrar ainda que, tanto nos casos de atendimento individual, como no caso de grupos, a escuta deve ser o pontapé inicial do trabalho terapêutico com os pais.
Por outro lado, para os pais também não fica claro para que serve esta intervenção para eles e, muitas vezes, há a resistência em aderir a este atendimento. Quando se dá lugar à escuta e à reflexão destes pais e cuidadores, busca-se novos significados sobre seus sentimentos frente à rotina à qual precisa de adaptar, como também estimula-se a compreensão e o pensar sobre detalhes que talvez tenham passado despercebidos ao longo do processo de adaptação à realidade que agora se apresenta.
Este processo proporciona um reconhecimento de si enquanto pais e enquanto indivíduos, que vai além do papel de pais e de cuidadores que é necessário assumir e que o define em relação à criança.
Em todo e qualquer processo de intervenção dos filhos, a participação ativa dos pais também faz parte do processo. Os grupos de pais, muito comuns nos serviços multidisciplinares que atendem pacientes com TEA, têm um papel fundamental que é a continuidade da intervenção realizada com os filhos. Além disso, é o espaço para os pais de desabafo, de trocas e também de descobertas.
Há um pensamento comum de que estes grupos são apenas para “preencher o tempo” enquanto os pais aguardam os filhos nas sessões. No entanto, os grupos de pais que geralmente são coordenados por um terapeuta têm a função de dar “voz” aos cuidadores. Quando se está em grupo de pessoas com dificuldades, experiências e sentimentos semelhantes ao que se sente, torna-se mais fácil verbalizar o que em outros espaços talvez não se consiga. Há um acolhimento intrínseco e automático que acontece neste encontro, em que a maior parte dos participantes sentem e vivenciam situações muito parecidas. Por outro lado, há também a troca e o aprendizado acerca das experiências que, embora similares, carregam a singularidade da vida de cada um.
Embora ainda se tenha uma visão de que estas reuniões de pais são somente para falar das dificuldades dos filhos ou manejos comportamentais, por exemplo, os modelos de grupos de pais que focam na persona deles mesmo, ou seja, em quem eles são além do papel de cuidadores, têm sido muito comuns. É possível notar os resultados positivos para os participantes, o que automaticamente se reflete no paciente com TEA. À medida que o responsável também passa a cuidar de si, terá melhor condição de cuidar da pessoa com autismo.
Queridos pais, vocês são tão importantes quanto seus filhos. Sabemos que os pacientes com TEA trazem como traço do próprio quadro a dificuldade no âmbito dos sentimentos, dos afetos e da relação com o outro, mas isso não quer dizer que eles não sintam e percebam quando sua principal referência não está bem. Deste modo, é muito importante perceber e acolher a intervenção para os pais como uma ferramenta de auxílio para si mesmo e que, consequentemente, se refletirá na evolução positiva dos filhos. O cuidador também precisa ser cuidado.
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