Você já se sentiu frustrado por não conseguir se expressar? Esse é provavelmente o sentimento de 30% das crianças, jovens e adultos com autismo que não desenvolvem linguagem verbal complexa para comunicação. Porém, mesmo com dificuldade de se expressar, essas pessoas têm ideias, necessidades, pensamentos e urgências que, mesmo não sendo faladas, podem ser comunicadas. É nesta hora que os recursos da comunicação alternativa ajudam a criar um meio de expressão eficaz para o autista e as pessoas do seu entorno.
O nome correto desta ferramenta é comunicação alternativa e suplementar ou comunicação alternativa e ampliada (CAA). Parte do leque de terapias comportamentais usadas no tratamento do TEA, ela é indicada para todas as pessoas que não falam ou que não utilizam linguagem verbal para trocas compatíveis com sua idade cronológica. O sistema de CAA é o que chamamos de tecnologia assistiva (TA) por permitir ou expandir a comunicação e, como consequência, a interação da pessoa com deficiência com os outros a sua volta.
O CAA pode ser aplicado para melhorar a comunicação em todos os aspectos da vida do autista, desde as relações familiares até na escola e no trabalho. Já o tipo de sistema escolhido vai depender de cada indivíduo: a idade da pessoa, o nível das suas limitações de comunicação e o contexto em que ela vive vão influenciar a rotina de tratamento e as ferramentas recomendadas. No entanto, o acesso a um recurso de CAA não deve depender de nenhuma variável externa: ele é direito de todos.
Cabe ao profissional que atende a criança ou jovem identificar a ferramenta compatível com aquele indivíduo. A literatura científica já estabeleceu algumas práticas como eficazes recursos de CAA, desde Sistema de Comunicação por Trocas de Figuras (PECS) – cartões com imagens que descrevem conceitos básicos, como “seco” e “molhado” – até o uso de aplicativos que permitem criar sentenças complexas. Mas o sucesso no uso do CAA e o avanço das habilidades de comunicação do autista vão depender em grande parte de um acompanhamento bem feito.
Para isso, o trabalho da equipe multidisciplinar é essencial na determinação do tipo de sistema, das estratégias para o treino com o autista e na orientação de educadores e pais. Sendo assim, não quer dizer que uma criança que não se adaptou a uma ferramenta não será capaz de se comunicar. É preciso que os profissionais flexibilizem as suas práticas e sigam em busca da ferramenta e do treinamento adequado para aquela pessoa até encontrar.
A minha atuação como psicóloga, seja na colaboração em equipes multiprofissionais ou em atendimentos individuais, se concentra no suporte ao comportamento funcional. Ou seja, o foco do meu trabalho é treinar situações de interação social com a pessoa autista e com seus pais e cuidadores, que são parceiros fundamentais para o sucesso da terapia.
O tratamento se baseia em princípios da psicologia comportamental e da educação inclusiva e especial. A motivação e os interesses da criança são a base para uma rotina de treinos que simulam situações reais de convívio social. Em cada sessão, são repetidas diversas interações curtas, em que a comunicação é mediada pelo recurso de CAA – que podem ser cartões de “sim” e “não” ou aplicativos em tablets. Dessa forma, a criança autista vai entendendo que o recurso de CAA pode ajudá-la a fazer pedidos, compartilhar suas ideias e fazer comentários mais complexos.
No início, essa criança irá fazer pedidos de atividades corriqueiras das quais mais gosta (“bola”, por exemplo). Com o tempo, os pedidos podem se tornar mais extensos, com frases completas (“eu quero bola” ou “bola futebol”), ou ganhar elementos abstratos, como o uso de adjetivos (“eu quero bola grande” ou “joga bola rápido”). Em paralelo, o profissional começa a estimular a criança com comentários simples como, por exemplo, dizer “bom” quando ela acerta o gol.
Para o tratamento ter um sucesso mais duradouro, as interações treinadas nas consultas devem ser levadas para o ambiente familiar. Os pais, outros familiares e cuidadores devem reforçar o uso do recurso de CAA nas situações do dia a dia, seguindo as mesmas dinâmicas usadas na consulta. Assim, com o tempo de trabalho, o autista vai absorvendo a lógica por trás de interações bem sucedidas e ganhando confiança na hora de se comunicar por conta própria.
Outro parceiro de comunicação que também tem um papel essencial é o professor. Na escola, a utilização da CAA é feita tanto para socialização quanto para acesso ao conteúdo acadêmico. Neste último, o sistema de CAA aumenta a possibilidade de engajamento, seja com respostas a perguntas feitas em sala ou com a participação voluntária em atividades. Enfim, em todos os ambientes o recurso de CAA oferece ao indivíduo a possibilidade de expressar-se e mostrar que não falar não é o mesmo do que não ter nada a dizer.
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