Queridas e queridos líderes,
Esta é uma história de muito amor, garra, ações concretas, dificuldades e esperanças. Uma missão de fé e vida.
Essa história começou em 1982, numa reunião sobre a paz mundial, da ONU – Organização das Nações Unidas. O então Diretor Executivo do UNICEF, Sr, James Grant, convenceu meu irmão Dom Paulo Evaristo Arns, a salvar a vida de muitas crianças que morriam de doenças facilmente preveníveis. Um exemplo é a desidratação causada pela diarreia. Milhões de mães poderiam salvar seus filhos da morte se soubessem preparar soro oral, considerado um dos maiores avanços da história da medicina. Voltando ao Brasil, Dom Paulo me telefonou sobre essa ideia e perguntou se eu aceitaria pensar em como isto poderia se tornar realidade.
Essa ideia veio ao encontro do que eu pretendia. Como diretora durante treze anos de Postos de Saúde e Clube de Mães, na região metropolitana de Curitiba, sempre reparava que os mais pobres só vinham consultar o médico quando a criança já corria risco de vida. Quando trabalhava como médica no Hospital de Crianças, em Curitiba, atendendo todos os dias crianças pobres, escutava as mães falarem que gostavam de consultar comigo porque aprendiam a cuidar melhor de seus filhos. Sentia em mim essa vocação de aproveitar todas as oportunidades para reforçar a educação. Meu pai sempre me dizia que eu tinha veia de professora, porque na adolescência eu era considerada uma boa catequista.
Como médica pediatra e sanitarista, sentia falta de um trabalho de educação nas comunidades, junto às famílias, especialmente, às mães. Tinha a certeza de que a maioria das doenças que acometiam as gestantes e as crianças poderiam ser facilmente prevenidas, se as famílias tivessem mais conhecimentos e apoio necessário. Lembrava de minha mãe, na área rural, onde nasci e me criei. Ela ajudava as mães da comunidade e estava sempre lendo livros para aprender mais. Quando via que o caso necessitava de assistência médica, se mobilizava para que a pessoa fosse levada ao hospital.
Senti, por toda essa experiência profissional e de vida, que este trabalho para a redução da Mortalidade Infantil seria bem sucedido. Sendo um trabalho de Igreja, deveria ter um verdadeiro espírito missionário, de amor ardente que não espera, mas que vai ao encontro e dá a mão àqueles que mais precisam, como nos ensina a parábola do Bom Pastor. Seguindo o que o próprio Jesus nos ensinou, esse trabalho deveria ser ecumênico e sem preconceitos, pois a caridade é o maior mandamento.
A proposta de como a Igreja poderia participar desta luta para reduzir a mortalidade infantil foi apresentada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1983. A CNBB indicou Dom Geraldo Majella Agnelo para ser o Pastor que acompanharia esse trabalho. Na época, a CNBB era presidida por Dom Ivo Lorscheiter, tendo como secretário geral Dom Luciano Mendes de Almeida. Dom Geraldo, atual Arcebispo de Salvador/BA era, então, Arcebispo de Londrina/PR e acompanhou o trabalho da Pastoral da Criança por oito anos, ajudando a abrir caminhos e superar dificuldades. Ao ser transferido para Roma, foi substituído por Dom Alfredo Novak. Hoje nosso Pastor é Dom Aloysio José Leal Penna, Arcebispo de Botucatu/SP.
Dom Geraldo e eu decidimos testar o modelo em sua diocese, porque assim ele poderia dar melhor apoio. Para mim também seria melhor que fosse no Paraná, mais perto de minha casa; pois além do trabalho, como viúva mãe de cinco filhos entre 10 e 20 anos de idade, não queria descuidar deles.
Verifiquei na Secretaria de Saúde do Paraná que Florestópolis tinha a maior mortalidade infantil: 127 óbitos por mil nascidos vivos. O município, a cem quilômetros de Londrina, tinha cerca de quinze mil habitantes. A maioria das famílias era de bóias-frias, que ora trabalhavam nos canaviais, ora nas colheitas de café ou algodão e ora não tinham serviço. Quando estava conversando com Dom Geraldo se deveríamos ou não começar o trabalho neste município chegou Irmã Eugênia Piettá, responsável da Paróquia de São João Batista de Florestópolis. Ela chegava sem saber do plano e sem ser chamada. Falei para Dom Geraldo: “Deus está sinalizando, não é por nada que a Irmã chegou a essa hora.”
A Irmã Eugênia achou muito interessante a proposta. Combinamos que fossem escolhidas 20 pessoas de confiança e realmente comprometidas a ajudar as famílias. No outro dia, fiz uma reunião com elas, discutindo o plano de redução da mortalidade infantil. Todas se entusiasmaram e disseram que a proposta poderia ser exposta no dia seguinte, após a missa dominical. Dom Geraldo foi presidir a celebração. Após a comunhão, ele solicitou que eu expusesse o plano a todos. Primeiro fiz uma pequena análise das causas que levavam à morte as crianças de Florestópolis; depois expus a missão dos líderes comunitários. Após a explanação, pedimos que levantassem a mão os que achavam o plano adequado para Florestópolis e a assembléia toda aprovou. A seguir foi perguntado quem se comprometeria pessoalmente com essa missão e todos levantaram a mão. Depois da missa, fiz nova reunião com as 20 pessoas, que se encarregaram de fazer o mapeamento das famílias com gestantes e crianças menores de seis anos de todo o município e identificar lideranças comunitárias que gostariam de trabalhar como voluntárias.
Foram identificados 76 líderes comunitários e eles escolheram as coordenadoras das respectivas comunidades. Eu já havia escrito uma pequena apostila sobre cada um dos 5 temas que seriam trabalhados: saúde da gestante, aleitamento materno, vigilância nutricional, reidratação oral e vacinação. Abaixo de cada tema eu fazia algumas perguntas que todos deveriam saber para exercer bem a sua missão de reduzir a mortalidade infantil e exercer na prática a mística da fraternidade cristã. Fui atrás de quem pudesse me ajudar no treinamento. O chefe do distrito sanitário chamou 4 técnicos e eu os preparei para a missão. Eles ficaram muito felizes e se sentiram valorizados.
A cada mês, quando voltava a Florestópolis com a equipe de capacitação, eu perguntava aos líderes: quantas crianças nasceram? E das que nasceram este mês, quantas nasceram com menos de 2500 gramas? Quantas mamam só no peito? Quantas crianças menores de 6 anos foram pesadas e dessas, quantas estavam desnutridas? Quantas tiveram diarreia neste mês? E dessas que tiveram diarreia, quantas tomaram o soro? Quantas estão com as vacinas em dia? Morreu alguma criança? Com que idade? Das gestantes, quantas estão desnutridas? E quem acompanhou uma gestante no pré-natal ou no parto?
No terceiro mês, elas me disseram que achavam melhor anotar em um caderno as perguntas que eu sempre fazia para que já tivessem as respostas antes de vir para a reunião. Achei excelente ideia e assim foi feito. No quarto mês, me apresentaram os cadernos que eu aperfeiçoei. Pedi e o UNICEF enviou o Dr. Aaron Lechtz para analisar comigo os indicadores de resultados. Ele ficou encantado.
No quinto mês, perguntei aos Líderes se eles achavam que Florestópolis havia mudado. Todos disseram: “o que mais mudou fomos nós mesmos; a gente via uma criança ficar doente ou morrer e dizia que a mãe era relaxada ou que a situação não poderia dar em outra coisa. Hoje a gente ajuda a mãe, encaminha e faz tudo como se fosse nosso próprio filho”.
Paralelamente, começaram outros trabalhos, como as hortas caseiras, com apoio de pessoas da comunidade e da prefeitura municipal. Dom Luciano, sabendo do sucesso da Pastoral da Criança, pediu que o trabalho fosse apresentado na Assembléia dos Bispos de 1984. O entusiasmo foi geral, principalmente por parte dos Bispos do Nordeste que diziam em público ser isso o que precisaria ser feito.
No final de 1984, Dom Luciano pediu que, além de Maceió/AL e Bacabal/MA, expandíssemos mais a Pastoral da Criança no Nordeste. Então organizei, com a equipe de capacitação, um seminário em Londrina, com estágio em Florestópolis, para Dioceses do Nordeste. A maioria dos participantes achou que esse trabalho poderia dar certo também em sua região. Recomendei que usassem a mesma metodologia e formassem boas equipes. Assim quando uns estivessem desanimados outros os animassem, como ensina o Apóstolo Paulo.
E aconteceu como no milagre da multiplicação dos cinco pães e dois peixes. Depois de abençoados por Jesus, esses alimentos foram repartidos para cinco mil pessoas, organizadas em grupos. Quando Jesus mandou verificar se todos estavam satisfeitos, ainda sobravam vinte cestos de comida. Desta forma, cada líder capacitada multiplicava o seu saber por 10 a 20 famílias. A mística cristã era o motor que impulsionava o trabalho.
Ao final de 3 anos, foram visitadas as dioceses bem sucedidas e aquelas que não conseguiram levar em frente o trabalho. Verificou-se que, entre outras necessidades, faltavam recursos para treinamento de novas lideranças e maior disponibilidade de tempo dos coordenadores. Fui então, com Dom Geraldo e Dra. Sofia Sarmiento, falar com o Dr. Ézio Cordeiro, presidente do INAMPS. Apresentei o trabalho e os resultados. Disse a ele que seria bom para o País investir mais na prevenção de doenças que lotavam hospitais como: diarreia, desnutrição, sarampo, poliomielite e baixo peso ao nascer. Precisávamos de apoio financeiro para orientar as famílias para a prevenção dessas doenças. Ele respondeu que fazer promoção da saúde e prevenção das doenças era o que mais estava faltando no Brasil. Enviou técnicos para visitar as comunidades e avaliar o trabalho. Antes de terminar o mês, ele me telefonou pedindo que fosse a Brasília. A avaliação havia sido muito favorável.
Foi então assinado um convênio, que se somou ao apoio financeiro do UNICEF. Nesse ano de 1987 tínhamos, então, o recurso para elaborar o importante Guia do Líder contendo as cinco ações básicas da saúde. Mais tarde, outros manuais foram sendo elaborados, como o de Alimentação Alternativa, que animou milhares de comunidades com suas receitas de alimentos regionais de alto valor nutritivo, e que hoje evoluiu para a Segurança Alimentar e Nutricional. Com o recurso do Convênio foi possível enviar às dioceses um pequeno apoio financeiro para treinamentos, comprar balanças para a pesagem das crianças e outros.
Com o crescimento da Pastoral da Criança houve necessidade de informatizar os dados das comunidades. Capacitamos os coordenadores diocesanos para preencherem com cuidado a FABS (Folha de Acompanhamento e Avaliação Mensal das Ações Básicas de Saúde, Nutrição e Educação na Comunidade) que tem como base de dados o Caderno do Líder. Mais tarde, organizamos mensagens de incentivo ou alerta de acordo com os resultados alcançados. Essas mensagens passaram a ser enviadas às paróquias e dioceses a cada três meses. A experiência foi um sucesso, comprovado pela redução da desnutrição e mortalidade infantil nas comunidades onde a Pastoral da Criança atuava.
Esse trabalho fantástico é realizado em todo o Brasil até hoje, voluntariamente, por milhares de pessoas, em sua maioria mulheres. São as líderes e os líderes comunitários, as equipes de coordenação dos estados, dioceses, áreas, e paróquias, que estão mudando a cara do nosso Brasil. A essa história de sucesso foram incorporadas novas e importantes ações complementares como: Geração de Renda, Alfabetização de Jovens e Adultos, Brinquedotecas Comunitárias.
Após esses 17 anos de experiência, chegou o momento da Pastoral da Criança revisar e atualizar seu principal material: o Guia do Líder. Este novo Guia foi elaborado com enfoque em desenvolvimento integral da gestação e da criança, tendo por base os direitos da gestante e da criança assegurados na Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Este Guia aponta os cuidados para com a saúde, nutrição, educação e cidadania da gestante e da criança na família e na comunidade.
A primeira versão desde novo Guia foi testada e avaliada em 1999 por coordenadores e líderes comunitários das cinco regiões do Brasil. Ao mesmo tempo, foi lido e avaliado por especialistas em saúde e educação. Ao todo, 724 pessoas estiveram envolvidas nessa etapa de avaliação.
Em dezembro de 1999, durante a Assembléia Geral da Pastoral da Criança, o Guia com esse novo enfoque foi aprovado por todos os coordenadores estaduais.
A partir das sugestões apresentadas, o Guia foi modificado e avaliado novamente por todos os coordenadores estaduais e diocesanos, nos encontros regionais do ano 2000. Pedi também uma avaliação técnica a diversas entidades governamentais, acadêmicas e sociedades científicas nacionais e internacionais. Depois de colhidas as sugestões dessas pessoas, o Guia foi novamente revisado e, finalmente, ficou pronto. Ele é fruto de uma construção coletiva de cerca de 1200 pessoas.
O novo Guia foi muito bem recebido por todos, porque ele respondeu a uma necessidade. Segundo uma líder: “Este Guia é como a gente vê na vida: a criança toda, a mulher gestante toda”.
Quero, neste momento, agradecer a Deus, a vocês líderes e coordenadores da Pastoral da Criança; aos Bispos, religiosos e leigos; ao Ministério da Saúde e a todos que já participaram e ainda participam junto com a Pastoral para melhorar a vida de tantas crianças, gestantes e famílias. Em seguida, agradeço às pessoas que ajudaram a escrever este novo Guia. Neste belo livro estão incluídas novas e velhas dádivas para continuar ajudando na formação de uma rede de solidariedade. Essa rede tem sua força na união de diferentes credos, raças e níveis sociais. Que Deus nos ajude e apóie nessa caminhada de fé, vida e cidadania, para que todas as crianças tenham vida e a tenham em abundância.
Assim, é com muita alegria e esperança sempre renovada que entrego a você este novo Guia do Líder da Pastoral da Criança.
Fundadora e Coordenadora Nacional da Pastoral da Criança
Representante da CNBB no Conselho Nacional de Saúde
Conselheira da Comunidade Solidária
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