Há diferenças entre homens e mulheres com autismo?

Mulheres representam 1 a cada 4 pessoas diagnosticadas com TEA, mas há a possibilidade de não acontecer o diagnóstico correto entre elas.

O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) é quatro vezes maior no sexo masculino do que no feminino, variação de incidência registrada no relatório do CDC de 2020. Mas por que existe tamanha diferença?

Há duas hipóteses mais citadas. Uma delas é a de que realmente o transtorno atinge mais homens, talvez por algum fator genético ainda não descrito. Uma outra hipótese, dita como mais provável, é a de que o transtorno atinge as mulheres de um modo diferente e, por isso, o diagnóstico não acontece em boa parte dos casos. 

A avaliação para busca de um diagnóstico de autismo é baseada na observação de características comportamentais sociais e de comunicação, e na história do desenvolvimento do paciente. Podem ser usados alguns questionários para auxiliar no processo, como o M-CHAT. 

As observações podem ser influenciadas por diversos fatores, entre eles o sexo e a presença de comorbidades, como deficiência intelectual, depressão, ansiedade, TDAH, epilepsia e tiques, entre outros. Há evidências recentes e crescentes sugerindo que existem verdadeiras diferenças sexuais no autismo e que diversos fatores precisam ser levados em conta ao considerar o diagnóstico de TEA em mulheres.

Pesquisas mais recentes apontam que “preconceitos sexuais” dificultam o diagnóstico de mulheres. Estes preconceitos incluem a própria forma como o autismo é tradicionalmente definido e também os instrumentos de diagnóstico padronizados e a metodologia de pesquisa.

A maior parte das pesquisas usa como variedade de medida de resultados diagnósticos já existentes – em que o número de pessoas do sexo masculino é bem maior – e não tem grupos controle comparativos de ambos os sexos.

Um diagnóstico de autismo em meninas e mulheres é, também, impactado por influências de desenvolvimento psicológicas, sociais e culturais. Mais recentemente, o conceito de fenótipo único de mulheres com autismo tem sido amplamente discutido.

O que se considera atualmente é que, mesmo entre pessoas de um mesmo gênero, o autismo se manifesta de maneiras diferentes, ainda que em um grau parecido. Entretanto, a ideia de fenótipo único pode ser particularmente relevante em mulheres com autismo chamado de alta funcionalidade, pois são as que melhor conseguem desenvolver habilidades de camuflar, disfarçar e compensar as dificuldades decorrentes do transtorno.

Pesquisas recentes indicam que meninas e mulheres com autismo, ao contrário de meninos e homens com autismo, costumam ter um desejo mais forte de ter relações sociais, de fazer amizades e de estar entre seus pares. Ademais, elas podem ter habilidades imaginativas superiores e um mundo de fantasia muito rico em comparação às pessoas do sexo masculino com essa condição. Elas têm maior facilidade do que eles em observar os amigos em desenvolvimento típico (pessoas sem TEA) e imitar seus comportamentos.

Em geral, portanto, pessoas do sexo feminino com autismo têm sido descritas com comportamentos menos estereotipados, restritivos e repetitivos do que os homens com TEA. Além disso, descreve-se também que os interesses por assuntos restritos não são tão prevalentes.

Ao mesmo tempo, os critérios de diagnóstico são tradicionalmente construídos sobre um estereótipo masculino e não levam em consideração essa variação de comportamento de mulheres com autismo.

Estudos recentes indicam a necessidade clínica de reconhecer que meninas e mulheres com autismo podem apresentar diferenças sutis ou qualitativas em seus sintomas de autismo e nível de comprometimento para que seja possível trabalhar melhor em cima dos critérios diagnósticos.

Infelizmente, muitas mulheres com autismo acabam não tendo acesso à terapia, tanto pela falta do diagnóstico como pelo acesso tardio. Ainda existem instrumentos de diagnóstico usados na prática cotidiana que não incluem o fenótipo do autismo feminino, o que é explicado pela escassez de pesquisas suficientes na área e por se tratar de um debate recente. As técnicas usadas nos diagnósticos não são sensíveis o suficiente para detectar essas pacientes de forma adequada.

O diagnóstico oportuno, no entanto, é capaz de reduzir as dificuldades que as mulheres com autismo experimentam, permitindo avaliar melhor suas necessidades nas áreas da saúde, educação, lazer, relações sociais e emprego. 

Um estudo qualitativo de 2017, dito como um dos primeiros a fornecer informações sobre as experiências de serviço de mulheres com TEA, descreveu dificuldades enfrentadas por elas no dia a dia, principalmente em relação ao acesso a serviços. Em geral, uma percepção compartilhada entre as participantes enfatizou que suas necessidades tendem a ser mal compreendidas. O problema afeta principalmente questões de saúde mental, apoios residenciais e serviços profissionais e de emprego.

Em relação à saúde mental, parte delas atribui o baixo acesso justamente à capacidade de mascarar melhor o transtorno do que os homens. Uma maior compreensão desse mascaramento permitiria que os profissionais adaptassem os serviços e apoios adequados. As participantes deste estudo também descreveram necessidades de saúde mental relacionadas à energia necessária para gerenciar ou mascarar suas dificuldades de comunicação social e às repercussões negativas associadas ao seu bem-estar psicológico.

Os novos artigos sobre o assunto também destacam as várias mulheres com autismo que já escreveram suas autobiografias. Nelas, ofereciam conselhos e ajudavam outras pessoas a lidarem com as dificuldades enfrentadas por meninas e mulheres com autismo. Essa produção literária ajuda a compreender como é difícil para as mulheres adultas com autismo acessar o suporte adequado e serem levadas a sério pelos prestadores de serviços que, muitas vezes, não acreditam que essas mulheres possam ter esse transtorno.

Nesse contexto, muitas mães adultas que não eram diagnosticadas com autismo estão se destacando e dão uma visão da gravidez e da maternidade após receberem o diagnóstico oficial.

Pesquisas na área de sexualidade entre mulheres com autismo são raras, já que há diferentes expectativas culturais e numerosos tabus em torno deste tópico. Existem pesquisas que relatam possíveis taxas mais altas de homossexualidade, bissexualidade e assexualidade entre adultos com autismo, mas a produção sobre o tema é ainda muito escassa. 

Esses estudos destacam a importância das dificuldades sensoriais que também podem afetar a sexualidade de mulheres com autismo. Elas podem ser mais vulneráveis por causa de sua ingenuidade em meio à complexidade social em que estão inseridas e por conta de outras dificuldades geradas pelo transtorno. Há indicações ainda de que são mais propensas também a serem vítimas de abusos sexuais e, portanto, precisariam de maior apoio terapêutico de especialistas. 

Mulheres com autismo podem se tornar profissionais de sucesso e, segundo pesquisas, costumam ser reconhecidas como especialistas em seu campo de atuação. Geralmente, a área de interesse tido como restrito, quando em debates sobre critérios diagnósticos, se torna sem campo de atuação profissional. No entanto, mulheres com autismo geralmente lutam para manter um emprego de longo prazo, a menos que o apoio apropriado seja fornecido. 

Há relatos de que as dificuldades resultam do estresse gerado por nuances e complexidades sociais no local de trabalho, além da sobrecarga sensorial no ambiente de trabalho, que sobrecarrega ainda mais as pessoas com autismo.

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