Promover o desenvolvimento espiritual das crianças

As três áreas mostradas abaixo funcionam como as condições necessárias para fortalecer o desenvolvimento espiritual das crianças. Elas estão inter-relacionadas e juntas formam a base sólida para desenvolvimento espiritual das crianças. É vital que os pais, cuidadores e educadores compreendam como essas áreas apoiam o desenvolvimento da espiritualidade das crianças e como podem priorizá-las.


Condições necessárias para nutrir o desenvolvimento espiritual das crianças:

  • Relações positivas
  • Experiências empoderadoras 
  • Ambientes seguros, respeitosos e livres de violência 

O papel da família

Nesse processo de fortalecer o desenvolvimento espiritual das crianças, a família desempenha um papel importante como suporte da criança e o primeiro lugar onde experimentam o amor, a conexão e o sentimento de pertencimento. É dentro da família que a criança começa a desenvolver suas capacidades espirituais, mas também é, infelizmente, dentro da família, que muitas vezes as crianças vivenciam a violência pela primeira vez e, para muitas, isso acontece de forma recorrente.

A família tem papel central em fortalecer o desenvolvimento espiritual das crianças. A cultura da família, crenças e práticas de educação influenciam quem a criança é e quem ela se torna. As famílias afetam a maneira como as crianças veem o mundo, interagem e se conectam com outras pessoas, e respondem aprendendo com as dificuldades e contradições. 

Eles também apóiam as crianças corrigindo seus erros, assumindo responsabilidades e ajudando-os a conciliar suas diferenças com os outros. O contexto familiar também é o primeiro lugar onde as crianças aprendem a confiar nas pessoas ao seu redor e onde recebem amor e cuidado, o que os ajuda a se sentirem seguros, protegidos e valorizados. Isso constrói sua auto-estima, seu senso de identidade e sua crença não apenas em si, mas também nos outros.

A família é um lugar espiritual. Leva a criança através de memórias, conexões, rituais e experiências que moldam sua identidade e sentido de significado e pertencimento. As crianças estão interessadas em aprender sobre seus ancestrais; estão curiosas para saber como estão relacionadas aos outros; se sentem conectadas a todos os parentes, vivos ou falecidos. O senso natural de vínculo familiar com parentes que não estão mais vivos é culturalmente aceito na maioria dos países ao redor do mundo, muitas vezes como uma forma de homenagem aos ancestrais, oração, oferenda ou agradecimento. Na cultura mexicana, este vínculo é celebrado no Dia dos Mortos. Santuários ancestrais e oferendas são comuns na China e outras partes da Ásia. Na tradição judaica, a oração kadish do enlutado é recitada a cada Sábado para lembrar os entes queridos que partiram e, ao mesmo tempo, celebrar a vida.

As famílias não existem isoladas, fazem parte de comunidades e sistemas de apoio maiores que trazem a criança para uma teia de relações, que vai se expandindo à medida que a criança cresce. A comunidade desempenha um papel crítico no desenvolvimento espiritual das crianças e é um apoiador de famílias.


Compreendendo as condições necessárias para fortalecer o desenvolvimento espiritual na infância

Relações positivas

Os relacionamentos são uma das principais formas para desenvolver a espiritualidade na criança. Ela se desenvolve, principalmente, por meio de relacionamentos afetuosos, amorosos e interações de reciprocidade (“servir e retribuir” ou “ação e reação”), por meio das quais, pais e cuidadores se relacionam com a criança de maneira responsável.

As crianças precisam de pais, cuidadores e educadores responsáveis, que forneçam cuidado integral e construam relações respeitosas, protetoras e empoderadoras com eles, que lhes permitam desenvolver-se bem e prosperar. Quando os cuidadores veem a criança como um ser espiritual, reconhecem sua capacidade de agir e se tornam exemplos de práticas respeitosas, estão contribuindo para o desenvolvimento do autoconceito da criança, autoconsciência e capacidade de formar relações positivas com os outros.

Na interdependência de relações positivas e seguras com pais, cuidadores e educadores, as crianças aprendem a valorizar a relação consigo mesmas, com os outros, com a natureza, e com aquilo a que as pessoas se referem como Deus, o Divino, o Transcendente ou a Realidade Suprema.  Isso, por sua vez, os ajuda a entender o mundo e a desenvolver sua identidade. A interdependência de relações também é entendida no sentido de que a comunidade e os adultos formam o ecossistema de desenvolvimento da criança: escolas, comunidades religiosas e espirituais, governos e as famílias se inter-relacionam por meio de valores comuns que podem afirmar a dignidade e a vida de todos crianças e ser transmitido à criança à medida que ela se desenvolve.


A maneira como pais, cuidadores e educadores nutrem valores éticos em crianças cria uma base para o seu desenvolvimento espiritual. Fomentar valores éticos como respeito, empatia, responsabilidade, e a compaixão pode ser feita de maneiras explícitas e implícitas. A maioria dos adultos entende como ensinam sobre valores explicitamente, mas muitas vezes desconhecem ou subestimam formas implícitas que moldam o desenvolvimento ético, os valores e a formação da identidade de seus filhos. Muito do que as crianças aprendem é implícito, vindo de normas e práticas sociais aceitas que, às vezes, podem ser discriminatória ou violentas. Por exemplo, se forem tratados com atitudes duras e violência, isso molda sua percepção de si mesmos. Se forem expostos a relações de gêneros desiguais, ou outras formas de falta de apreço e respeito pelos outros, isso pode influenciar a maneira como se comportam em relação aos outros. Embora haja evidências contraditórias sobre exatamente como as crianças aprendem preconceito, sabemos que pode ser aprendido durante os primeiros anos.


Os adultos alimentam valores éticos pela maneira como demonstram e dão exemplo para as crianças como eles lidam com desacordos, suas relações com os outros e a maneira como eles interagem com seus próprios filhos. Para que os adultos apoiem o desenvolvimento espiritual das crianças, eles mesmos devem nutrir suas próprias espiritualidades. Veremos isso mais adiante.

E os irmãos desempenham um papel especialmente importante no desenvolvimento de crianças pequenas. Como os pais, irmãos e irmãs mais velhos atuam como modelos e professores, ajudando seus irmãos mais novos a aprender sobre o mundo. Acredita-se que essa influência positiva se estenda à capacidade dos irmãos mais novos de sentir cuidado e simpatia pelos necessitados: crianças cujos irmãos mais velhos são gentis, calorosos, e solidários são mais empáticos do que crianças cujos irmãos carecem dessas características. Um estudo longitudinal analisou se os irmãos mais novos e a empatia deles, também contribuem para a saúde dos irmãos mais velhos. A pesquisa descobriu que, além da influência dos pais, tanto os irmãos mais velhos quanto os mais novos influenciam a preocupação empática um do outro ao longo do tempo.

O desenvolvimento de relações positivas na família, inclusive entre irmãos, atuando como figuras de exemplo, pode impactar a formação de relacionamentos das crianças com outras pessoas ao seu redor.


Ambientes seguros, respeitosos e sem violência

Promover valores éticos e desenvolver a espiritualidade das crianças só pode ser feito em um ambiente livre de violência, sendo exemplo e usando práticas afetuosas e respeitosas. As crianças precisam de um ambiente livre de violência e respeitoso com seus direitos, para desenvolver seu senso de ação, se tornarem membros produtivos da sociedade e contribuir para o bem comum. Eles precisam estar livres de danos físicos ou emocionais e ter seus pontos de vista considerados e respeitados. Eles precisam de um ambiente estável, estimulante, criado por pais cuidadores e educadores que garantam boa saúde e nutrição, proteja-os de ameaças e ofereça oportunidades para aprendizagem precoce, por meio de interações que são emocionalmente solidárias e responsivas.

Um ambiente seguro, respeitoso, livre de violência e amoroso é criado quando os cuidadores ouvem e respondem às necessidades físicas e emocionais das crianças, cria tempo suficiente para desenvolver interações positivas por meio de brincadeiras e diálogos, e protegem as crianças de abuso, violência, negligência e maus-tratos. As crianças aprendem a confiar nas pessoas ao seu redor quando se sentem seguras, amadas e valorizadas, o que, por sua vez, fortalece seu desenvolvimento espiritual e sua capacidade de relacionar com os outros e regular suas emoções, a construir a base para que criem e encontrem significado e propósito em suas vidas.

Embora os adultos tenham a responsabilidade de proteger as crianças e geralmente tenham um forte desejo de fazer isso, eles também devem tentar preparar as crianças para lidar com as dificuldades e incertezas quando os adultos estão no presente. Um ambiente de confiança, relacionamento próximo e respeito mútuo contribui para que as crianças se sintam verdadeiras consigo mesmas e ajuda a desenvolver um sentimento de pertencimento e aceitação. Esse ambiente permite que as crianças se expressem plenamente e aprendam a discutir e expressar suas opiniões sobre tópicos que são importantes para elas.

O apoio da comunidade é fundamental para a criação de ambientes seguros, respeitosos e livres de violência, especialmente em locais onde a segurança das crianças é afetada negativamente. 

As comunidades religiosas e espirituais desempenham um papel fundamental ao desafiar as normas sociais e culturais que toleram a violência contra crianças e ao afirmar normas que promovem o cuidado, o respeito e a proteção das crianças. É importante que também prestem apoio às famílias vulneráveis, ajudando-as a fortalecer sua resiliência e capacidade de cuidar de seus filhos.


Experiências empoderadoras 

As crianças devem ter oportunidades para explorar, apreciar a natureza, aprender sobre a diversidade e suas próprias tradições religiosas e espirituais e as dos outros, fazer suas próprias escolhas e decisões, interagir e contribuir com suas comunidades, de acordo com suas capacidades em evolução. Essas experiências permitem que pratiquem e internalizem valores éticos, desenvolvam seu agir, senso de comunidade, pertencimento e propósito. 

A curiosidade  e o espírito lúdico das crianças são alimentados por experiências que lhes permitem explorar o mundo ao seu redor, fazer perguntas, descobrir significados por meio da interação com os outros e refletir sobre as experiências pelas quais passam.

Um aspecto crítico do desenvolvimento espiritual das crianças é sua participação em seu próprio crescimento espiritual, pois exercem liberdade de expressão, liberdade de escolha e liberdade para explorar, bem como para falar sobre questões que os afetam. A participação da criança é vista como um fator de proteção significativo contra as formas de violência e como uma forma de permitir que a criança desenvolva seu próprio senso de ser e pertencer.

Desde cedo, é preciso criar espaços no ambiente familiar e na comunidade para que as crianças criem bases para suas relações consigo mesmas e com os outros, um sentimento de pertencimento a uma comunidade local e global e uma disposição para participar da transformação dos problemas que afetam suas comunidades. Podem ser criadas oportunidades para que as crianças sejam empoderadas desde os primeiros anos, oferecendo atividades relacionadas a brincadeiras nas quais possam aprender comportamentos pró-sociais, colocar em prática valores de compartilhamento, empatia, respeito e reconciliação e aprender a se expressar e regular suas emoções . O desenvolvimento espiritual é uma jornada interna e externa de descoberta, onde as crianças crescem em seu senso de significado e propósito na vida; conectar-se, ter empatia e ser influenciado por outras pessoas; começar a explorar a compreensão daquilo que as pessoas chamam de Deus, o Divino, o Transcendente ou a Realidade Suprema; e viver suas crenças espirituais e compromissos na vida diária.

O verso muito citado, As crianças aprendem o que vivem, resume a importância de desenvolver espiritualmente as crianças e o papel dos pais, cuidadores e educadores na criação das bases para o florescimento espiritual da criança.

Se as crianças vivem com críticas

Eles aprendem a condenar;

Se as crianças vivem com hostilidade

Eles aprendem a lutar;

Se as crianças vivem com o ridículo

Eles aprendem a ser tímidos;

Se as crianças vivem com vergonha

Eles aprendem a se sentir culpados;

[Mas]

Se as crianças vivem com tolerância

Eles aprendem a ser pacientes;

Se eles vivem com encorajamento

Eles aprendem confiança;

Se as crianças vivem com elogios

Eles aprendem a apreciar;

Se as crianças vivem com justiça

Eles aprendem justiça;

Se as crianças vivem com segurança

Eles aprendem a ter fé;

Se as crianças vivem com aprovação

Eles aprendem a gostar de si mesmos;

Se as crianças vivem com aceitação e amizade

Eles aprendem a encontrar o amor no mundo

O ser humano é, em si mesmo, espiritual, e os aspectos espirituais de nossas experiências constituem parte do desenvolvimento humano integral e do bem-estar. Enfatizar a importância de cultivar a espiritualidade na primeira infância traz essa consciência para um foco mais nítido e pode inspirar os cuidadores a apoiar o desenvolvimento da criança. Sem essa consciência, pode ser difícil para os cuidadores desenvolver sensibilidade à sua criança interior, e assim, ter dificuldade para promover as capacidades relacionadas na criança.

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