Novos estudos surgem a cada dia sobre a importância de uma boa alimentação durante a gravidez e os primeiros anos de vida, do parto normal e da amamentação materna exclusiva durante os seis primeiros meses do bebê. Todas eles vão ao encontro do que Dr. David James Purslove Barker, professor na Universidade de Southampton, pesquisava desde os anos 1980, a importância de uma gestação saudável para a vida da criança. As pesquisas dessa época foram a base determinante para o que a ciência afirma atualmente: que a preocupação com os primeiros 1000 dias de vida de uma criança – que vão da gestação até o 2º ano – são essenciais para propiciar um desenvolvimento saudável quando adulto.
Na década de 1980, o professor percebeu, a partir de estudos do nascimento e mortalidade em diferentes territórios do Reino Unido durante o início do século, uma correlação com os casos de morte por doenças cardíacas 60 anos depois. Ele observou que o ambiente desfavorável de desenvolvimento dessas gestações e do crescimento dessas pessoas poderia estar ligado às doenças apresentadas por elas quando adultos. E ao analisar adultos cujas mães passaram fome durante a gravidez, no período do “Inverno de Fome Holandês”, na II Guerra, ele percebeu que aqueles bebês se subnutriram no útero, e quando adultos, apresentavam doenças cardiovasculares. Essa particularidade fez com que o médico pesquisasse ainda mais essa relação.
Após décadas de pesquisas, Dr. David Barker começou a associar doenças de adulto ao crescimento intrauterino, ou seja, durante o período de gravidez. Para ele, quando um bebê nascia com baixo peso (menos de 2,5kg), ele era mais suscetível a desenvolver doenças cardíacas quando adulto. Quando o bebê recebe pouca comida no útero, essa energia é voltada para o desenvolvimento do cérebro, e não para o desenvolvimento do coração. Essa mesma criança tem ainda propensão a ser um adulto obeso. Assim como acontece com o coração, o fígado – órgão que faz o metabolismo das gorduras – também é prejudicado, resultando num adulto propenso a ter colesterol alto.
Até o fim da vida, em 2013, Dr. Barker dedicou-se a essa linha de pesquisa, compreendendo a importância de garantir um ambiente saudável de desenvolvimento desde a gestação.
Brasil
A partir dos estudos do médico, dezenas de cientistas de todo o mundo passaram a desenvolver pesquisas relacionadas. No Brasil, o médico Cesar Gomes Victora, é referência quando falamos sobre 1000 dias. Professor da Universidade Federal de Pelotas e doutor em epidemiologia pela Universidade de Londres, Victora desenvolve diversas pesquisas visando o bom desenvolvimento da saúde materno-infantil pelo mundo: pesquisou ou foi consultor em mais de 40 países, assessorando a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Victora é um dos responsável pela pesquisa dos Coortes de Pelotas, município do Rio Grande do Sul. O estudo iniciou em 1982, com o primeiro coorte de nascimentos, e seguiu com outros dois cortes, em 1993 e 2004. As pesquisas propiciaram o desenvolvimento de diversos estudos na área de saúde materno infantil. Parceiro da Pastoral da Criança, o médico desenvolve outras diversas pesquisas que demonstram a relevância dos primeiros 1000 dias para a saúde em todas as fases da vida.
Doenças que iniciam nos 1000 dias
Garantir um desenvolvimento pleno e saudável durante os primeiros 1000 dias pode estimular uma vida com a mesma qualidade depois de adulto. Por isso, a preocupação começa com a mãe, para que ela esteja saudável desde o início da gravidez. Algumas doenças maternas também podem ocasionar nascimentos prematuros e aumentar a incidência de abortos espontâneos.
Pesquisas realizadas com crianças, do nascimento aos 14 anos, comprovaram, por exemplo, que bebês que mamaram no peito chegavam à adolescência com menos hipertensão arterial, diabetes e obesidade. O estudo demonstrou ainda o efeito dose-resposta: quanto mais aleitamento materno, menos as pessoas vão ter essas doenças. Conheça algumas doenças que podem se desenvolver em adultos e que iniciam ainda na gestação.
Doenças cardíacas
Bebês que nascem com baixo peso (menos de 2,5kg) apresentam maior risco de desenvolver doenças que afetam o coração na idade adulta. A nutrição da mãe molda a placenta e a placenta molda o coração do bebê. Quanto maior o tamanho (área) da placenta, melhor será para o coração do bebê. A desnutrição dentro do útero apressa a maturação da criança, o que pode causar um nascimento antes do tempo. Nestes casos, o coração do bebê possui menor quantidade de células e isto pode afetar o funcionamento adequado do órgão na idade adulta.
Colesterol
O alto colesterol pode ser resultado do pobre crescimento do fígado do bebê no útero materno. Com a medida do tamanho do fígado ao nascer, pode-se prever o colesterol sanguíneo que o bebê terá quando completar 60 anos.
Diabetes tipo 2
Este tipo de diabetes é conhecido como diabetes do adulto. Neste caso, o organismo produz insulina, mas algumas células do organismo não a reconhecem, e com isso aumenta o nível de açúcar no sangue. Isto é chamado na medicina de "resistência à insulina".
Antes do nascimento, é a insulina que comanda o crescimento do bebê. A sensibilidade à insulina é estabelecida no útero: pessoas que foram pequenas ao nascer têm mais resistência à insulina que as pessoas que nasceram com bom peso. Ou seja, quem nasceu com baixo peso tem mais chance de ser um adulto com diabetes. Isto acontece para preservar o cérebro do bebê durante a gestação, já que os demais órgãos abrem mão de parte de seus nutrientes para destinar ao cérebro, prioritário no desenvolvimento do bebê.
Estudos afirmam que quanto mais desnutrida é uma criança aos 2 anos, maior a chance dela ter diabetes na idade adulta.
Obesidade
O bebê que não recebe nutrientes suficientes enquanto ainda está no útero, acaba com o organismo adaptado para poder sobreviver a essa condição de falta de alimentos, ele se torna um “organismo poupador”. Por conta disso, após o nascimento, quando essas crianças têm acesso à alimentação, a tendência do organismo é armazenar, provocando o excesso de peso ainda na infância. Uma criança que ganhou pouco peso na infância e estava desnutrida aos 2 anos tem maior risco de se tornar obesa mais tarde.
Hipertensão arterial
Mulheres com placentas pequenas têm vasos sanguíneos mais estreitos, por isso, é preciso uma maior pressão para manter o fluxo adequado de nutrientes e oxigênio para o bebê. Depois do nascimento, estes bebês - que costumam nascer com baixo peso - continuam a ter maiores pressões sanguíneas. Logo, pessoas que nasceram com baixo peso, têm mais chance de ter hipertensão arterial quando adultas.
Doenças renais
Crianças que nascem com baixo peso têm três vezes menos células nos rins comparados aos bebês que nasceram com peso normal. Isso faz com que cada célula do rim trabalhe mais. E que as células cansem e morram, gerando mais trabalho para as outras células do rim, que cansam e também morrem. Com isso, o rim passa a não dar conta de sua função e a pressão sobe (hipertensão arterial). E a pressão alta prejudica ainda mais os rins.
Osteoporose
Bebês pequenos têm menos cálcio nos ossos (menor massa óssea). Também têm menos músculos, devido à alteração em dois hormônios: cortisol e o GH, o hormônio do crescimento. Estes problemas levam a uma menor reserva de massa óssea e a uma perda mais rápida no processo de envelhecimento. Com isso, acontece a osteoporose.
 

Confira abaixo a entrevista do Dr. Nelson Arns Neumann sobre os primeiros 1000 dias de vida.

Uma das mais relevantes e atuais pesquisas sobre o impacto do baixo peso ao nascer foi desenvolvida pelo médico e pesquisador inglês Dr. David Barker. A pesquisa demonstra que pessoas que nasceram com baixo peso, tinham maior risco de desenvolver doenças do coração, colesterol, diabetes, obesidade, hipertensão arterial, problemas no funcionamento dos rins, osteoporose entre outros problemas. Além do Dr. Barker, outros pesquisadores também afirmam que os primeiros 1000 dias de vida podem afetar nossa saúde durante toda vida. Mas, por que 1000 dias?
Podemos observar que nos últimos 20 anos – ao mesmo tempo em que a mortalidade infantil vem diminuindo consideravelmente – há mais bebês nascendo com baixo peso (menos de 2,5 kg) e também mais bebês nascendo antes do tempo (prematuros).
Infelizmente, existe uma grande probabilidade de que esses bebês pequenos venham a enfrentar problemas de saúde no futuro.
Com os exames médicos realizados no pré-natal é possível identificar e reduzir muitos problemas de saúde que costumam atingir a mãe e seu bebê. Um desses problemas é a desnutrição intrauterina, ou seja, dentro do útero. Dr. Nelson Arns Neumann, coordenador nacional adjunto e coordenador internacional da Pastoral da Criança, fala sobre o assunto:
A Pastoral da Criança está alertando as gestantes e famílias sobre como os primeiros 1000 dias da criança podem afetar a saúde para sempre. Qual é o motivo deste trabalho?
Certas doenças já têm origem na gestação, então estes cuidados durante a gravidez são cada vez mais importantes, porque podem prevenir pressão alta, osteoporose, colesterol alto, problemas de rim, a criança nascer com menos músculos, obesidade e diabetes. Tudo isso inicia na gestação. A dieta da criança nos primeiros dois anos é muito importante, o aleitamento materno, por exemplo, é capaz de prevenir uma série de doenças.
E o que está sendo feito nas comunidades neste sentido?
A Pastoral da Criança, sabendo da importância desses primeiros 1000 dias, faz o Mutirão em Busca das Gestantes. A cada três meses os líderes vão de casa em casa entregar uma cartelinha dizendo da importância desses 1000 dias - período que vai do dia em que a mulher fica gravida até o segundo ano de vida da criança. Se tem uma gestante em casa, ela fica ciente e toma uma atitude, e se não tem gestante ainda, ela já pode pensar em como pode ter uma gravidez saudável e quais os cuidados que precisa ter desde o início, para que seu filho tenha saúde não apenas dentro da barriga, durante o parto e nos primeiros anos de vida, mas também aos 60, 70, 80, 90 ou até mais de 100 anos de vida.
Para uma gestação saudável, o que é preciso?
É preciso preparo. É preciso também tomar o acido fólico, de preferência, antes de engravidar para prevenir doenças do sistema nervoso. Não deixar a gestação para muito tarde e, em qualquer fase da vida, ter uma alimentação saudável.
O que é a desnutrição dentro do útero?
Muitas vezes a criança não recebe todos os nutrientes que precisa dentro da barriga da mãe, e isso pode acontecer por muitas causas. A mais comum no passado, era quando a mãe passava fome e a criança passava fome junto. Hoje praticamente não existe mais no Brasil essa falta de acesso a comida, mas ainda existem algumas causas que podem levar a criança a sofrer dentro do útero.
O que a gestante deve fazer para evitar a desnutrição dentro do útero?
Em primeiro lugar, ela deve comer bem, frutas e verduras são muito importantes. Em segundo lugar, ela precisa controlar certas doenças. A pressão alta, por exemplo, prejudica a criança, inclusive a sua nutrição, porque a pressão da mãe influencia sobre a quantidade de sangue que essa criança recebe dentro da barriga. Outra questão é o uso de drogas, o fumo causa desnutrição da criança dentro da barriga da mãe. A gestação quando é tardia, também causa problemas, porque o organismo da mãe não está em pleno vigor pra sustentar a criança.
A desnutrição do bebê dentro do útero pode predispor a criança à obesidade?
Sim. Quando a criança passa fome dentro da barriga da mãe, ela modifica o jeito do seu organismo funcionar. É quase como se a criança entendesse que a vida fora da barriga está ruim, então ela tenta treinar o organismo para poupar. Como o organismo foi treinado para poupar tudo, ou boa parte do que come, o que a criança ingere é reservado em forma de gordura. Por isso, esse organismo poupador tem uma tendência muito maior a engordar.
Além de uma boa alimentação é necessário também a suplementação de ferro e ácido fólico?
O ácido fólico é muito importante para completar o sistema nervoso da criança. É importante que a mãe já tenha essa suplementação antes da gravidez, porque a formação da coluna espinhal acontece já no primeiro mês de gestação. Também é importante a questão do ferro: através da alimentação ele é melhor absorvido. E para absorver melhor o ferro é bom ingerir junto a vitamina C. Em geral é recomendado também que ela tenha um suplemento de ferro pra que não falte esse elemento essencial para fazer as células do sangue, tão importantes para a mãe e para a criança.
Quais seriam as causas principais da prematuridade?
A maior causa evitável da criança nascer antes é a infecção urinária. Uma pesquisa muito recente apontou também que as gestantes idosas, além da criança sofrer uma desnutrição dentro do útero, elas também tem partos mais prematuros. Essa pesquisa indica também que a gestante começa a ficar “idosa” a partir dos 27, 28 anos de idade. Quanto mais tarde, maior o risco da criança nascer antes do tempo e maior o risco do retardo de crescimento intrauterino.
E aquelas gestantes que optam pela cesariana com hora marcada, qual é a consequência disso?
A antecipação do parto pode ser muito perigosa. A criança que nasce duas semanas antes do tempo, tem mais de 100 vezes a chance de ter problemas respiratórios. A mortalidade da mãe e das crianças, as consequências, as doenças que a mãe sofre depois, também são muito maiores nas mães que fazem cesárea.
 
 
Assista também o programa da Pastoral da Criança sobre o assunto: /programa-de-tv-da-pastoral-da-crianca

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