Por Vânia Leite – assessora nacional da Pastoral da Criança e coordenadora da Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde nos Ciclos de Vida do Conselho Nacional de Saúde
Há 35 anos, o Brasil deu um passo histórico na proteção da infância e adolescência com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Fruto da mobilização da sociedade civil e do avanço democrático, o ECA tornou-se referência internacional ao garantir a proteção integral e prioritária às crianças e adolescentes.
Contudo, apesar dos inúmeros avanços, os desafios ainda são muitos – e se tornam ainda mais urgentes diante das profundas desigualdades sociais que persistem no país.
Avanços inquestionáveis, desafios inadiáveis
Vânia Leite é assessora nacional da Pastoral da Criança e coordenadora da Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde nos Ciclos de Vida do Conselho Nacional de Saúde
Não há como negar os importantes progressos promovidos pelo ECA: a criação dos conselhos tutelares, o fortalecimento das políticas públicas voltadas à infância, os mecanismos de enfrentamento à violência, além da redução da mortalidade infantil, na qual a Pastoral da Criança desempenhou um papel fundamental.
Com ações baseadas na vigilância nutricional, no acompanhamento de gestantes e crianças, na valorização dos vínculos familiares e na presença ativa nas comunidades, a Pastoral contribuiu decisivamente para salvar vidas e transformar realidades.
Mas os obstáculos para a concretização plena dos direitos ainda são evidentes. O Brasil continua sendo um país marcado pela desigualdade estrutural, racismo institucional e invisibilidade de populações, especialmente de crianças indígenas, quilombolas, periféricas e em situação de vulnerabilidade social, o que compromete o acesso igualitário à cidadania desde os primeiros anos de vida.
Sociedade civil, Estado e poder público: compromissos que precisam se concretizar
Mesmo com um marco legal avançado, a efetivação dos direitos requer ação contínua e articulada entre sociedade civil, Estado e poder público. É urgente a implementação de políticas públicas integradas, que garantam acesso à educação, saúde, cultura, esporte, proteção social e espaços seguros para o desenvolvimento integral de todas as crianças.
Infelizmente, ainda observamos a omissão do Estado em áreas fundamentais, a interrupção de programas essenciais e o enfraquecimento de espaços de participação social. Muitas redes de proteção – como os próprios conselhos tutelares – operam de forma precarizada, sobrecarregadas e sem o suporte necessário para garantir os direitos previstos em lei.
A visão do Conselho Nacional de Saúde
No âmbito do Conselho Nacional de Saúde, a proteção da infância é prioridade. A Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde nos Ciclos de Vida reconhece que não há saúde pública de qualidade sem o cuidado integral desde a gestação. Fortalecer o SUS, garantir recursos adequados e promover uma atuação intersetorial é também lutar pela vida e pelos direitos das crianças brasileiras.
A saúde vai além da ausência de doenças: envolve alimentação adequada, afeto, segurança, acesso à educação e ambientes saudáveis. Por isso, fortalecer a atenção primária, o acompanhamento domiciliar e as ações comunitárias é essencial para garantir o cuidado desde a primeira infância.
O papel da Pastoral da Criança
Ao longo de sua trajetória, a Pastoral da Criança tem sido uma aliada incansável na defesa da vida e dos direitos das crianças. Atuando nas regiões mais vulneráveis do país, com presença efetiva nas comunidades, a Pastoral promove ações que fortalecem famílias, empoderam cuidadores e mobilizam a sociedade para garantir que toda criança cresça com saúde, dignidade e alegria.
Essa missão exige coragem para denunciar injustiças, compromisso com políticas públicas e disposição para o diálogo intersetorial. Cada criança é uma prioridade, e cada vida conta.
Compromisso com o presente e o futuro
Neste marco de 35 anos do ECA, reafirmamos nosso compromisso com a promoção e defesa incondicional dos direitos das crianças e adolescentes. Lutamos por uma infância livre da violência, da fome, do abandono, da exclusão e do racismo. Defendemos uma sociedade que reconheça a criança não apenas como o futuro, mas como parte essencial do presente – um presente que deve ser protegido e valorizado.
Nosso maior desafio é fazer com que o ECA seja uma realidade concreta em cada casa, cada rua, cada escola, cada posto de saúde. Isso exige ação conjunta, escuta ativa das comunidades e o respeito à diversidade cultural, especialmente dos povos originários e comunidades tradicionais.
Que cada criança cresça com amor, respeito e oportunidades. E que jamais deixemos de lutar para que seus direitos sejam garantidos – todos os dias. Que possamos seguir firmes na construção de um Brasil onde ser criança não seja um risco, mas um direito plenamente assegurado.